Coração à deriva



Quando eu era religiosa, tinha meu coração protegido de decepções e perdas, já que a regra número um para os consagrados é não se apegar a coisa alguma, mesmo pessoas, mesmo familiares. Um coração livre e totalmente consagrado a Deus é o que buscava. E assim foi por dez anos até o Senhor do universo me convocar a vida matrimonial.
Tive que sair da minha segurança, abrir o cadeado do meu coração e doá-lo sem reserva a um ser humano falho e mortal, meu amado esposo. E, por mais maravilhoso que ele seja, mesmo que nunca me decepcione, ele pode adoecer ou ir para junto de Deus primeiro que eu. Só de pensar nessa possibilidade, me aperta o peito. Percebi já no namoro que eu já não tinha as rédeas do meu coração e viver já não era tão simples como antes, em que a regra e a obediência bastavam.
E eis que um belo dia eu me tornei mãe. Agora, não mais meu coração estava à deriva mas sim, se equilibrando constantemente à beira de um precipício. Como se pode viver um amor tão descompensado como esse sem sofrer a cada instante o temor de que qualquer mal aconteça a esse serzinho tão indefeso formado nas minha entranhas? Ao mesmo tempo que o matrimônio e a maternidade nos trazem mil alegrias, também anos trazem mil temores e inseguranças.
Chego à conclusão de que para uma alma mundana a vida consagrada parece bem pesada, mas para uma alma espiritual parece bem confortável por assim dizer.  Já que não precisa afligir o coração nem se preocupar senão com a própria santificação (que já agrada a Deus e atrai as almas). Já a vida matrimonial foi divinamente premiada com a semelhança a Sagrada Família: um dia a dia com pequenas renúncias e grandes alegrias, totalmente escondido aos olhos dos próprios fiéis, sem glória, sem brilho. Um dia a dia que contém o próprio Deus, não em um sacrário de ouro mas em Espírito e em Verdade no amor que se tem um pelo outro.

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